a disputa entre o folclore brasileiro e a cultura americana
No dia 31 de outubro é celebrado o Halloween, o Dia das Bruxas americano. A comemoração tradicional dos Estados Unidos também vem ganhando cada vez mais força aqui no Brasil, principalmente entre a Geração Z. Esse efeito pode ser observado no comércio, pois grandes marcas vem investindo na data como forma de atrair mais clientes.
Apesar dessa guinada da festividade americana nos centros urbanos, desde o início dos anos 2000, entusiastas da cultura nacional buscaram resinificar a data. Em 2003, surgiu a ideia para um Projeto de Lei Federal instituindo o Dia do Saci em 31 de outubro como forma de valorizar a cultura nacional. Em 2004, o estado de São Paulo tomou a dianteira e oficializou a data como lei estadual, e em 2013 ela se consolida em âmbito nacional.
O principal intuito da medida foi criar uma data para celebrar a vasta cultura do folclore nacional, valorizando as tradições e histórias que compõem a identidade do Brasil. Ao mesmo tempo, a data serve como um contraponto ao Halloween, indo contra a forte influência estrangeira trazida pela globalização.
O folclore e a viola
Enquanto o Halloween se consolida como uma festividade predominantemente urbana, o folclore nacional está intrinsecamente ligado à vida no campo. Para o violeiro Paulo Freire “quanto mais longe a gente fica de uma luz elétrica, mais a gente consegue ver as coisas que estão rodeando a gente”. O músico e escritor é autor de diversos projetos que unem a viola caipira com a mitologia brasileira, como o álbum “A Mula” (2024) e “Nuá – Músicas Para os Mitos Brasileiros” (2009).
Com 19 anos, Paulo largou a faculdade de jornalismo, e inspirado pelo livro Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, resolveu se mudar para o sertão mineiro, com o intuito de se conectar com o Brasil profundo. Lá ele conviveu com a tradição da viola caipira, e com as histórias da mitologia brasileira.


O violeiro conta sobre essa junção do instrumento com o folclore: “Ali no sertão eu comecei a ouvir muita história ligada à viola e ligada à nossa mitologia popular. E eu fui me apaixonando muito pelo assunto, que tem muito a ver com o instrumento, com as rodas de causos em volta da fogueira, as folias de reis, onde sempre contavam as histórias e os mistérios que acontecem.”
No mundo da música diversos nomes buscaram inspiração no folclore como Heitor Villa-Lobos, Inezita Barroso e Rolando Boldrin. Mas o folclore nacional também serviu de inspiração para grandes artistas da literatura. Antes mesmo de criar o Sítio do Picapau Amarelo, Monteiro Lobato publicou “Saci-Pererê: O resultado de um inquérito” (1918), onde pediu relatos para diversas pessoas do Brasil inteiro sobre seus contatos com o ser travesso. Mario de Andrade também foi importante pesquisador do folclore nacional.
Dia do Saci vs Halloween
Mesmo com a instituição do Dia do Saci, ainda existe um longo caminho a ser percorrido para o mitologia brasileira ser amplamente valorizada. Paulo comenta a importância dessa busca pelo folclore: “Eu acho que a gente tem que buscar cada vez mais. Só vai fazer bem para o nosso convívio com as nossas matas, com os nossos rios e para a gente aprender a viver nessa cidade doida também. A gente tem que trazer mais esses seres para cá.” explica.
Paulo vai ainda mais longe ao dizer que não é contra o Halloween, e que não concorda com a instituição do dia do Saci em 31 de outubro. “Eu acho que o Dia do Saci não tem que ser um dia em contraponto a outro. Ele tem que ter o dia dele próprio. Mas tem que prestar atenção que ele bagunça tudo, então ele vai lá mexer no calendário e vai mudar o dia dele também”, brinca.
Mas o músico defende que essa valorização não pode se basear apenas por medidas governamentais, para ele, também é necessário que haja um interesse pessoal. Essa busca “depende de cada um de nós. A Inezita Barroso foi um grande exemplo. Ela era uma moça nascida e criada em São Paulo, em uma família tradicional de São Paulo, mas chegava às férias e ela corria para a roça e ia se inteirando desses assuntos por um amor pela nossa terra.” Comenta.
Paulo, faz parte da Associação Nacional dos Criadores de Saci. A instituição incentiva as pessoas a se tornarem “Criadoras de Saci” por manterem este personagem vivo ao continuarem contando histórias e repassando a tradição do pesonagem para as próximas gerações.
Nesse sentido ele conclui: “A gente precisa mostrar que esses mitos existem, que esses seres existem. Se a gente ficar ligado em televisão, em celular, em rede social, a gente não vai conviver com isso. Então, nós temos que apresentar para as gerações que estão chegando essa nossa grande variedade, essas nossas histórias.”
*Sob supervisão de Luis Roberto Toledo

