sintoma de uma crise maior
A Câmara dos Deputados sepultou a MP 1.303, que unificava o Imposto de Renda sobre aplicações financeiras e elevava a tributação de fintechs e seguradoras.
Com 251 votos a favor da retirada de pauta e 193 contrários, a medida caducou, e com ela, R$ 17 bilhões de arrecadação previstos para 2026.
Mais do que uma derrota para Fernando Haddad, o episódio expôs um governo sem estratégia política e um Congresso sem coragem.
Ambos parecem esquecer que o Estado não é território de poder, mas instrumento de serviço à nação.
A MP buscava simplificar a tributação com alíquota única de 18%, substituindo a tabela regressiva.
Também repunha receitas do IOF, que será extinto até 2027, e incluía apostas esportivas e criptoativos no radar fiscal.
Mas o relator cedeu à pressão: reduziu a carga sobre as bets, manteve isentas LCIs, LCAs, CRAs e debêntures incentivadas e esvaziou boa parte do texto.
Mesmo assim, a base aliada recuou e retirou o projeto de votação para evitar desgaste.
Nos bastidores, o motivo foi confessado: ninguém queria deixar a digital.
Quem votasse a favor irritaria o mercado; quem votasse contra enfrentaria o Planalto.
A omissão venceu, e com ela, o descrédito político.
O custo da covardia
A decisão abre um rombo fiscal de R$ 17 bilhões e já leva o governo a cogitar bloquear R$ 10 bilhões em emendas.
O Congresso tenta fugir do desgaste, mas será atingido pelos cortes que ele mesmo provocou.
Pior que o impacto fiscal é o rombo moral.
Cada vez que o poder recua diante do voto, o país se acostuma à mediocridade.
O governo legisla por impulso, o Congresso se omite, e o Brasil permanece travado entre lobbies e manobras.
A retirada da MP foi vitória silenciosa dos lobbies, de casas de apostas, fintechs e fundos de investimento, e derrota ruidosa da credibilidade do Estado.
Ao preservar privilégios, o Congresso perpetuou um modelo em que quem tem lobby paga menos, e quem produz paga mais.
É o retrato de um país desigual nas leis e frágil nas convicções.
A queda da MP 1.303 sintetiza a crise institucional brasileira: um governo que governa por impulso e um Congresso que se move pelo medo.
Ambos evitam o dever de decidir, como se a omissão fosse virtude.
O Brasil não precisa de mais MPs nem de novos discursos.
Precisa de coragem, coerência e consciência fiscal.
Porque o verdadeiro problema não é a morte de uma medida provisória, é a morte do senso de responsabilidade de quem deveria conduzir a nação.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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