juros altos e risco global apertam o cerco do produtor
 
A oferta de crédito rural no Brasil continua robusta no papel, o Plano Safra 2025/26 anuncia R$ 516 bilhões para custeio, investimento e comercialização. Mas quem vive o dia a dia do campo sabe que o número engana: recursos existem, porém o dinheiro real ficou mais caro, seletivo e de difícil acesso.
Com a Selic travada em 15%, o custo financeiro sufoca o produtor. A maior parte das linhas disponíveis depende de funding livre, e não de recursos equalizados, o que empurra o juro efetivo para patamares que inviabilizam margens já apertadas. O resultado é visível nas estatísticas: a inadimplência rural passou de 7%, maior nível em mais de uma década, e cresce especialmente entre produtores médios que carregam dívidas antigas.
Crédito caro e acesso restrito travam o campo
No campo, isso se traduz em crédito curto, exigências altas e pouco apetite dos bancos. O produtor que renegociou dívidas nos últimos anos enfrenta agora outro obstáculo: sem limite de crédito novo, não planta. É um círculo vicioso, e perigoso, que ameaça a sustentabilidade da produção.
O cenário internacional não ajuda. As commodities agrícolas vivem uma fase de preços contidos, pressionadas por excesso de oferta e desaceleração global. Ao mesmo tempo, o endividamento mundial já passa de US$ 330 trilhões, o que encarece o dinheiro e aumenta a aversão ao risco. Cada movimento de juros nos Estados Unidos, na Europa ou na China repercute imediatamente sobre o crédito brasileiro.
Gestão financeira é fator de sobrevivência no agro
Acompanhando o agro há décadas, percebo que o setor entrou numa era em que gestão financeira vale tanto quanto tecnologia e produtividade. O produtor que quiser atravessar essa fase precisa se reinventar
- planejar custos com base em juros reais;
- combinar fontes (Pronaf, CPR, Fiagro, barter, cooperativas);
- travar margens com hedge inteligente;
- e tratar seguro e gestão de risco como parte do negócio, não como gasto extra.
O crédito rural segue sendo o combustível do agro, mas hoje exige maturidade. Já não basta plantar bem, é preciso gerir com precisão a empresa. O campo que sempre alimentou o Brasil agora precisa se proteger de uma nova safra de riscos: juros altos, inadimplência crescente e instabilidade global.
O produtor que entender esse novo tempo sobreviverá e sairá fortalecido. O que ignorar os sinais, infelizmente, pode colher dívidas no lugar da colheita. O agro não está em crise, está em transição. E quem souber se adaptar será o verdadeiro vencedor deste ciclo.


*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
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