Brasil pode transformar preservação em poder global
O anúncio do presidente Lula de que o Brasil investirá US$ 1 bilhão no Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) marca a entrada do país na COP de Belém com um gesto de impacto global. Mais do que um aporte financeiro, o movimento simboliza uma aposta estratégica: o Brasil quer mostrar que preservar e produzir podem ser caminhos complementares.
Essa narrativa ganha força justamente porque o país é, ao mesmo tempo, dono da maior floresta tropical do mundo e um dos maiores exportadores de alimentos. A imprensa terá, portanto, a missão de traduzir esse equilíbrio para o público: como o Brasil pretende consolidar sua imagem de guardiã ambiental sem perder competitividade no agronegócio.
Os desafios concretos
Agronegócio e clima – O Brasil é candidato a se tornar o maior produtor de alimentos do planeta, mas precisa enfrentar o avanço do CO 2 e os efeitos das mudanças climáticas. Calor extremo, secas e pragas podem comprometer safras e renda, afetando toda a economia. A imprensa deve observar como políticas públicas e ciência podem garantir resiliência no campo.
O ciclo do carbono na agricultura – Um argumento estratégico pouco explorado é que a agricultura não é apenas emissora de carbono, mas também sequestra CO2. Durante a fotossíntese, as plantas absorvem quase toda a quantidade emitida no processo produtivo.
Pesquisas da Embrapa e de universidades internacionais mostram que sistemas como plantio direto, integração lavoura-pecuária-floresta e rotação de culturas podem até gerar saldo positivo de carbono, transformando o campo em aliado da agenda climática. Para o Brasil, esse é um trunfo político: provar que é possível alimentar o mundo e, ao mesmo tempo, reduzir gases de efeito estufa.
Economia verde – O TFFF inaugura uma lógica em que a preservação gera valor econômico. É fundamental investigar se o aporte brasileiro será convertido em programas efetivos de fiscalização, incentivo ao produtor e novas cadeias de valor, ou se ficará restrito a promessas.
Geopolítica ambiental – A COP em Belém é palco para que o Brasil assuma protagonismo. Cabe à imprensa acompanhar se o país terá firmeza para liderar negociações internacionais e construir pontes entre potências e países em desenvolvimento.
A COP em Belém não será apenas uma conferência: será um teste de credibilidade para o Brasil. O país chega com ativos únicos, terra, água, biodiversidade e tecnologia agrícola — mas também com a responsabilidade de provar que pode unir produção de alimentos e preservação florestal.
Se conseguir demonstrar que é capaz de alimentar o mundo sem destruir o mundo, o Brasil sairá de Belém fortalecido como potência ambiental e agrícola. Caso contrário, corre o risco de transformar um palco histórico em mera retórica diplomática.

*Miguel Daoud é comentarista de Economia e Política do Canal Rural
O Canal Rural não se responsabiliza pelas opiniões e conceitos emitidos nos textos desta sessão, sendo os conteúdos de inteira responsabilidade de seus autores. A empresa se reserva o direito de fazer ajustes no texto para adequação às normas de publicação.

